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Zukerman, Juilliard, Arte e Pedagogia. 

          Laurie Niles escreveu em seu "blog" violinist.com, em 27 de junho de 2021, um artigo sobre um "masterclass" ministrado por Zuckerman na famosa escola Juilliard, em NY.  Traduzido ao português, apresento-o abaixo. 

Juilliard age depois de Pinchas Zukerman usar

'estereótipos culturais ofensivos'

          Eu estava muito ansiosa para assistir a uma “master class” (aula pública) com o violinista e violista mundialmente famoso Pinchas Zukerman como o último evento no Simpósio virtual Starling-DeLay sobre Estudos de Violino, organizado pela Escola Juilliard na semana anterior. Infelizmente, após a “master class” de sexta-feira, o vídeo teve de ser retido e desculpas emitidas porque Zukerman usou "estereótipos culturais insensíveis e ofensivos" durante o curso da aula.

          Assisti ao desenrolar da aula virtual ao vivo e posso atestar que este foi o curso adequado.

          Em primeiro lugar, um pequeno histórico: a lista de realizações de Zukerman ao longo de sua carreira de cinco décadas é longa e distinta, com centenas de apresentações com orquestras de classe mundial e colaborações com alguns dos músicos mais proeminentes do século 20, incluindo Isaac Stern, Daniel Barenboim, Itzhak Perlman e muitos mais. Por mais de 25 anos, ele atuou como presidente do Programa de Performance Pinchas Zukerman na Manhattan School of Music e lecionou em instituições proeminentes em todo o Reino Unido, Israel, China e Canadá, entre outros países.

          Em um nível pessoal, como um jovem violinista, achei as primeiras gravações dos Concertos de Mozart de Zukerman reveladoras, uma verdadeira pedra angular para abrir meus ouvidos para as possibilidades expressivas do violino. Acompanho sua carreira e admiro seu jeito de tocar.

          Com este currículo e reputação impecáveis, é fácil entender porque Zukerman foi convidado para dar aulas na Starling-DeLay e porque os participantes estavam antecipando sua “master class” com grande expectativa.

          Em questão estava sua interação com um conjunto de jovens irmãs, ambas nascidas em Nova York e com um longo conjunto de realizações. Elas abriram a master class com uma apresentação do "Duo Concertante" de Spohr. Os participantes do simpósio receberam um vídeo de sua apresentação com antecedência, então eu realmente assisti esse vídeo antes da aula magistral. Percebi que elas "pareciam irmãs cantando juntas", seu som combinava tão lindamente como as vozes de que irmãs costumam fazer. Elas estavam tocando de memória e realmente dominaram essa música complicada e criaram muitos momentos ótimos em suas interações, sorrindo uma para a outra e realmente tocando como uma única pessoa. "Eu poderia ouvir o dia todo", escrevi.

          Elas tocaram novamente ao vivo, no início da master class. "É quase perfeito demais, digo isso como um elogio", disse Zukerman. "Pense menos em como tocar perfeito e em conjunto, e mais em fraseado. Um pouco mais de vinagre - ou molho de soja!" ele riu. "Mais canto, como uma abertura italiana."

          Elas tocaram um pouco mais, e ele ainda queria mais expressão.

          "Muito quadrado - divirtam-se!" ele disse. "O violino é um instrumento de canto, não um instrumento de cordas. Não há nada de errado com vibrato, não há nada de errado em fazer glissando. Na verdade, eu o recomendo."

          "Às vezes, se você tiver dúvidas sobre como tocar, cante", disse ele. "Eu sei que na Coréia eles não cantam." Ele continuou falando sobre como é errado, que na Coréia eles não cantam.

          Uma das irmãs falou: "Mas eu não sou coreana", disse ela.

          "Então de onde você é?" ele latiu.

          Ela começou a explicar que era meio descendente de japoneses, então ele interrompeu: "No Japão eles também não cantam." Ele imitou um estilo vocal de cantar que foi estereotipado como asiático. "Isso não é cantar. O violino não é uma máquina."

           Nesse ponto, os sorrisos desapareceram dos rostos das irmãs.

          Ele passou a falar sobre contar uma história de alguém com a música, mas foi difícil ouvir depois disso. Este foi um evento virtual, mas para ser honesta, se fosse ao vivo, eu teria me levantado e saído do salão. Em vez disso, deitei no sofá ao lado do meu computador e coloquei minhas mãos sobre o rosto enquanto a aula continuava.

          No final do segmento, ele se despediu e acrescentou: "Espero poder vê-las pessoalmente um dia para poder dar-lhes um grande abraço."

          Eu escutei o resto da master class. No final, Zukerman respondeu às perguntas dos participantes, mas voltou ao tema:

          "Na Coréia, eles não cantam", disse Zukerman, "não está no DNA deles".

          No dia seguinte, perguntei-me como poderia escrever qualquer coisa sobre esta “master class”. Zukerman ofereceu percepções musicais, mas foram ofuscadas pela maneira como ele tratou essas jovens artistas. Pessoas nascidas na cidade de Nova York são da América. Músicos profissionais, mesmo os clássicos, devem saber sobre K-pop, que dificilmente é o único presente musical da Coréia.

          No domingo, o Diretor Artístico do Simpósio de Violino Starling-DeLay, Brian Lewis, e o Diretor de Aprendizagem ao Longo da Vida da Juilliard, John-Morgan Bush, emitiram uma declaração conjunta:

 

          "Infelizmente, não postaremos o vídeo da 'master class' final de sexta-feira com Pinchas Zukerman, que no decorrer da aula usou estereótipos culturais insensíveis e ofensivos. Essas observações não representam os valores do Simpósio ou da Juilliard School. Nós abordamos esta questão diretamente com as alunas envolvidas e com o próprio Sr. Zukerman, que foi um convidado para este simpósio e ofereceu suas desculpas. Em nome do Simpósio e da escola, pedimos sinceras desculpas a todos os participantes e novamente estendemos um pedido de desculpas pessoal aos destinatários desses comentários".

         Certamente, este foi um episódio doloroso e decepcionante. Não sei quantos estudantes de música de etnia asiática sofreram esse tipo de tratamento agressivo dos que seriam seus mentores. Mas é inegável, especialmente quando se passa em um ambiente tão público, com cerca de 150 testemunhas.

          Se alguém disser: "Isso não é mais aceitável", gostaria de lembrar a todos que nunca foi aceitável. Não importa o quão famoso ou talentoso seja o palestrante.

          Estou aliviada que a Juilliard School concorda. 1

Laurie Niles,

violinist.com

          Os fatos descritos no artigo de Laurie Niles são de suma importância sob a ótica pedagógica e da arte do violino. Descreve os problemas ocorridos com precisão, mas oferece uma análise não isenta, o que pode perverter, manipular de forma tendenciosa e portanto prejudicar o discernimento de jovens artistas. Análises cuidadosas, observando culturas e fundamentos de pedagogia, devem ser feitas antes de se proferir julgamentos e condenações.

         

          O ocorrido comprova que solistas famosos nem sempre são bons professores. É necessário passar por um treinamento especial para aprender minimamente elementos básicos de pedagogia, psicologia e didática.

 

          As universidades tem por hábito não o fazer ou de oferecer cursos de baixa qualidade sobre noções básicas sobre pedagogia, didática e psicologia a seu corpo doscente. Presumem que por serem famosos, ou por possuir diplomas de mestrado e/ou doutorado, professores não treinados para tal automaticamente podem ser catapultados ao universo do ensino. A realidade mostra o oposto! Exigir qualidades pedagógicas e didáticas de um professor que nunca passou por um treinamento específico nessas áreas é absurdo!

 

          É absolutamente correto exigir fraseado musical ao violino baseado no canto da ópera européia. Assim como não é possível executar música oriental no estilo ocidental o reverso também é verdadeiro!   

 

          O avanço da ideologia do "políticamente correto" pode destruir a arte de qualidade ao impedir que correções adequadas sejam feitas. Defender a possibilidade de uma execução musical artística de baixa qualidade, aparentemente medíocre, é um erro gravíssimo!   

 

          Não existe ser humano capaz de ser emocionalmente polido e equilibrado todo o tempo. Sempre existe a possibilidade de um professor errar na forma de explicar seu ponto de vista ao corrigir a execução musical de alunos. Escolas, instituições podem repreender professores e até demití-los, mas será justo julgá-los em suas atitudes como professores quando nenhum treinamento básico em pedagogia, didática e ética comportamental oferecem a seu corpo doscente?

 

          Inabilidade pedagógica momentânea pode ocorrer esporadicamente em decorrência de diversos fatores de natureza emocional (ou de saúde física), faz parte do comportamento humano. Se for algo sistemático torna-se um problema grave. Contudo, sempre deve ser evitado, pois os alunos são facilmente negativamente influenciados.

          A questão do que é importante para a transmissão do conhecimento continua à margem de qualquer discussão no ambiente universitário. Na atualidade, professores de nível superior jamais são contratados por suas habilidades de ensinar bem e qualidades pedagógicas. Fama, capacidade de angariar fundos para a instituição contratante e conexões políticas hoje são os requisitos principais. A tônica do mundo acadêmico atual constitui de conexões  políticas, status e dinheiro. Ser um professor competente não é um

pré-requisito em grande demanda.

          Neste universo ansioso por política, status e dinheiro, permeado e acostumado a um falso tratamento polido de professores hipócritas e policiados, quem perde são alunos jovens, entre eles os de violino, e, como consequência, são de propósito alijados do entendimento da arte do belo! 

 

 

1 - Laurie Niles, https://www.violinist.com/blog/laurie/20216/28825/ publicado em 27 de junho de 2021, às 17:09, acessado em 13/07/2021.

Comentários enviados ao meu blog, atualmente desativado:

egonmattos

16 de jul. de 2021

 

          Eu coloquei este comentário abaixo em inglês na revista "The Strad" onde eles noticiam e criticam Zukerman. Foi apagado. A revista com essa atitude mostra que não é isenta, assim perde credibilidade. Não quer entrar em atrito com a poderosa "Juilliard School". Não quer perder o dinheiro de propagandas que a Juilliard coloca na revista. Qualidade musical não interessa, só o dinheiro importa! Atitude vergonhosa!

egonmattos

14 de jul. de 2021

          This fact proves that soloists are not always good teachers. It is necessary to undergo special training to learn the basic elements of pedagogy and psychology. Knowing music and being famous are not enough! On the other hand, Zukerman is right to demand phrasing based on European opera singing. Just as it is not possible to perform Asian music in the Western style, the reverse is also true. The advance of "politically correct" ideology can destroy quality art by preventing adequate corrections from being made. No human is being capable of being emotionally balanced and polite all the time. If Zukerman was wrong in explaining his point of view, in correcting the students' musical performance, Juilliard and the author of the article were also wrong. Laurie Niles insulted him by calling him a dog when she wrote: "He barked." She owes Zukerman an apology. This article seems written by a sensationalist reporter whose goal is getting a minute of fame. Juilliard was wrong to defend the student's flawed performance. This gives the idea that the teachers can't criticize the students' performance out of fear of giving offense. The Juilliard administration and the author lost sight of the importance of Zukerman's remarks because of his momentary tactlessness. The question of what is important for the transmission of knowledge is ignored in the discussion presented by the author and the management of Juilliard. Do young violin students, used to overly polite treatment by hypocritical and policed ​​teachers, realize how much they are missing out on by focusing on the silly remarks the author made instead of trying to understand the importance of the teacher's comment for anyone who wants to play well? It's a complicated universe. In this case, it was the students who suffered a loss.

Alexandre Sinicio

14 de jul. de 2021

          É muito importante que a cortesia e o respeito mútuos sejam estimulados de várias formas, disso depende um ambiente não tóxico. Por outro lado, como seres humanos ou mesmo artistas em busca de força psicológica, resiliência e auto aceitação, não podemos ser dominados pelo exagero do "politicamente correto". O mimimi, o vitimismo imposto e promovido pela engenharia social atual é danoso tão ou mais que certos preconceitos. Arte exige fibra por uma razão muito simples, a real e de fato, arte, exige do aluno que se desloque em direção a ela. Jamais a arte desce de seu pedestal, Olimpo, ao encontro de quem a aspira, essa ilusão de "invocação" da arte como "espirito" que baixa em um corpo têm os "artistas" baixos, propagadores do mal gosto, do torpe, do grosseiro à que dão nome de "arte"; ledo engano... Arte é desconstrução de si mesmo, e consequente reconstrução, é ascendência, a arte não desce, é preciso que escalemos uma montanha gigante e de caminho desafiador. Vitimismo não cabe e vitimismo é o ingrediente que dá à percepção o cúmulo do exagero, terreno onde se se deixa impactar por comentários duros e exagerados que SEMPRE vão haver, inevitável.... Você respira ? será atingido em algum momento... sê resiliente. Combatamos o excesso, mas não sejamos excessivos .... Por fim, virtuosismo não é sinônimo nem matrimonio com a pedagogia...

egonmattos

13 de jul. de 2021

          Este fato ocorrido comprova que solistas nem sempre são bons professores. É necessário passar por um treinamento especial para aprender minimamente elementos básicos de pedagogia, psicologia e didática. Não basta saber música e ser famoso! Por outro lado Zukerman está certo ao exigir fraseado baseado no canto da ópera européia. Assim como não é possível executar música oriental no estilo ocidental o reverso também é verdadeiro!

          O avanço da ideologia do "políticamente correto" pode destruir a arte de qualidade ao impedir que correções adequadas sejam feitas. Não existe ser humano capaz de ser emocionalmente polido e equilibrado todo o tempo. Se Zukerman errou na forma de explicar seu ponto de vista, de corrigir a execução musical das alunas, a Juilliard e a autora do artigo também erraram. Laurie Niles o insultou chamando-o de cachorro ao escrever: "ele latiu". Ela deve desculpas ao Zukerman! Este artigo parece escrito por uma repórter sensacionalista com o objetivo de obter um minuto de fama! A Juilliard errou ao defender a possibilidade de uma execução musical de baixa qualidade, aparentemente medíocre! A administração da Juilliard e a autora obscureceram a importância da fala de Zukerman com base em sua inabilidade momentânea.

          A questão do que é importante para a transmissão do conhecimento continua à margem da discussão apresentada pela autora e a administração da Juilliard. Os alunos jovens de violino, acostumados com tratamentos polidos por professores hipócritas e policiados, será que têm noção do quanto estão perdendo ao direcionar seu foco para as observações tolas que a autora falou em vez de tentar compreender a vastidão do que foi o comentário do professor para quem quer tocar o belo? É um universo complicado. Neste caso quem perdeu foram as alunas!

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