Arte do Violino
Alexander Detisov
Professor de violino na Escola Experimental do Conservatório Estatal da Geórgia (1979-86), assistente do Prof. V. Klimov no Conservatório Tchaikovsky de Moscovo (1980-83), assistente do Prof. J. L. García Asensio na Escola "Reina Sofía" (2004-07). Atualmente, dá aulas de violino em diferentes cidades de Espanha.
O SEGREDO DA AFINAÇÃO AO VIOLINO
Neste artigo se esclarece a diferença entre afinação pura e afinação temperada e os fenómenos que ocorrem com a afinação pura, com um breve levantamento de tratados teóricos e instrumentais do passado. O autor apresenta também um método rápido e prático para conseguir uma afinação perfeita no violino e noutros instrumentos de cordas.
Devido ao grande progresso técnico que se registou na música no último século, os músicos passaram a ver a afinação como um fim em si mesmo - como um desafio separado do resto da execução. Creio que há cem anos a afinação dos instrumentos de cordas não era separada, por um estudo específico, de todo o processo de tocar e que a sua pureza era uma parte natural da atuação.
Atualmente, não gostamos de falar de boa afinação, mas sim de afinação perfeita (tal como é ouvida pelo ouvido humano). Para alcançar um alto nível de profissionalismo no mundo atual, confiar no nosso ouvido não é suficiente. O ouvido muda com demasiada frequência, por vezes até no decurso do mesmo dia, e o profissionalismo exige uma precisão de afinação uniforme. Uma base objetiva definida, que não pode ser alterada, deve guiar o sentido da afinação; refiro-me às cordas soltas afinadas em quintas justas. Estudando o fenómeno das quintas justas, podemos melhorar conscientemente a nossa afinação, aproximando-a da perfeição e elevando-nos a um nível alto de desempenho dentro do padrão atual.
Na realidade, a diferença de afinação entre os instrumentos de cordas (sopros e canto) e o piano temperado tem uma longa história. Se poem encontrar indicações directas e indirectas sobre a diferença entre semitons cromáticos e diatônicos nas teorias dos mais famosos pedagogos e intérpretes do passado. Nas obras do teórico Peter Prelleur The Modern Music-Master (1730-31), do cantor Pier Francesco Tosi Opinioni de Cantori (1723), do violinista Leopold Mozart Versuch einer gründlichen Violinschule (1756), do flautista Johann Quantz Versuch einer Anweisung die Flöte traversiere zuspielen (1752), de W. A. Mozart Exercises by Thomas Atwood, by theorist Daniel Türk Klavierschule (1789), by theorist Charles Delezenne Sur la Valeurs Numériques des Notes de la Gamme (1826- 27), diz-se que os semitons cromáticos
têm de ser afinados com maior precisão do que os semitons diatónicos.
No entanto, quando, no século XIX, se concluíram as pesquisas sobre a possível redução dos intervalos (temperamento) para o piano (que, aliás, não medem o mesmo: a divisão exacta dos semitons dar-nos-á uma altura perfeita que o nosso ouvido não assimila), esta afinação "universal" foi imediatamente aplicada aos instrumentos de corda e de sopro, como método simples e facilmente compreensível na aprendizagem esquemática da teoria musical, sobretudo para os principiantes. Ludwig Spohr escreveu no seu manual de 1832:
Um violinista principiante só precisa de conhecer um tipo de afinação. Por esta razão, o meu manual não menciona o temperamento desigual ou os semitons pequenos e grandes, porque isso poderia confundir a doutrina da igualdade dos 12 semitons.
Já no século XX, nenhum livro didático de violino menciona a diferença de entoações, embora este silêncio não possa mudar a natureza do instrumento. Na prática, todos os violinistas mais conhecidos do século XX e contemporâneos, que têm uma afinação perfeita, usam intervalos puros, não temperados. Eles simplesmente procuram, inconscientemente, uma afinação que é naturalmente pura para o nosso ouvido.
Para quem estiver interessado na história da temperança, recomendamos a leitura do livro recentemente publicado de Ross W. Duffin, How Equal Temperament Ruined Harmony,¹ que contém uma extensa bibliografia sobre o assunto.
Neste artigo gostaria de propor um método rápido e prático de empregar afinação pura muito negligenciada.
C. Brooks no seu artigo Creating Waves² afirma, com muita exatidão, que é matematicamente impossível afinar intervalos na perfeição. Apesar disso, na realidade, não usamos um ouvido matemático ou computorizado, mas um simples ouvido humano, que expande o alcance da "perfeição" da nota e permite ao ouvido ouvir a altura dentro dessa zona. Aqui chegamos a uma posição muito importante: cada nota tem a sua própria zona sonora para o ouvido humano, ou seja, pode soar pura dos limites superiores aos inferiores.
Referimo-nos frequentemente a esta posição, especialmente quando tocamos cordas duplas e acordes.
Comecemos pela definição de dois tipos de afinação:
I. Afinação melódica.
II. Afinação harmónica.
I. A definição de afinação melódica é bastante fácil de compreender. É a forma como afinamos a melodia de uma voz em instrumentos de cordas. Neste caso, podemos subir os sostenidos e baixar um pouco os bemóis. Refere-se especialmente à nota sensível que é sempre um pouco mais alta para o ouvido humano antes da sua resolução na tónica. Por exemplo:
C. W. Gluck, Melodia.
W. A. Mozart, concerto número 5.
Se, ao tocarmos, nos mantivermos dentro dos limites da zona sonora de uma determinada nota, a entoação será não só correcta como também expressiva.
II. A afinação harmónica é muito mais complicada, uma vez que inclui uma segunda voz. A afinação harmónica refere-se a tocar cordas duplas, acordes e tocar num conjunto de câmara. É da maior importância compreender os princípios da afinação harmónica quando se toca num quarteto. Realço isto porque a afinação cria muitos conflitos entre quartetos de principiantes e amadores, e uma compreensão adequada da afinação harmónica pode ajudar a evitar estes problemas.
O princípio essencial e mais importante da afinação harmónica são os intervalos puros com as cordas soltas que não dependem da tensão de semitons para serem resolvidos. Qualquer tentativa de uma das vozes de tocar em afinação melódica em vez de harmónica soará desafinada. É, portanto, impossível usar os dois tipos de afinação em simultâneo.
Uma vez que as cordas abertas, afinadas em quintas "justas" (pitagóricas), são a única base objetiva da afinação harmónica, temos de lidar apenas com três assuntos principais:
1. Afinação específica de quintas "justas".
2. Afinação específica dos sustenidos e bemóis em relação à segunda voz.
3. A definição e afinação dos terceiros sons harmônicos inferiores, (tonalidade de Tartini).
Cada assunto merece um estudo separado. Tentarei definir estes fatos objectivos (ou fenômenos de afinação "justa") de forma breve e clara para mostrar o caminho mais curto para uma afinação perfeita.
1. A "especificação das quintas" nos instrumentos de cordas refere-se às quintas que estão afinadas puramente, o que significa que são intervalos "abertos". Isto é diferente da afinação temperada, na qual as quintas são um pouco reduzidas para afinar as oitavas mais ou menos de acordo com o registo grave para o agudo.
O que significa quintas "abertas"?
É um método de afinação em que ambas as alturas estão nos pontos extremos das áreas das notas (ver primeira página). A nota mais grave está no ponto mais baixo da sua zona e a nota superior está no ponto mais alto da sua zona.
Por exemplo, a quinta aberta entre as notas Lá e Mi pode ter o seguinte aspecto:
zona de lá zona de mi
O mesmo princípio aplica-se às outras cordas abertas [soltas] do violino. A corda Lá, que está na posição mais baixa do seu intervalo com a corda Mi, quando afinada com a corda Ré estará no seu ponto mais alto. Se imaginarmos as quatro cordas juntas, obtemos o seguinte diagrama:
quinta sol - ré quinta ré - lá quinta lá - mi
zona de sol zona de ré zona de lá zona de mi
A diferença entre a primeira e a última notas (cordas) - sol e mi - é de cerca de um quarto de tom. É por isso que não podemos afinar qualquer nota dedilhada da mesma forma nas cordas inferiores e nas cordas superiores.
Podemos afinar qualquer nota na afinação baixa com as cordas sol e ré, ou na afinação alta com as cordas lá e mi. Assim, temos de lidar com duas afinações das notas - alta e baixa.
para afinação alta
para afinação baixa
Isto é muito fácil de verificar se pegarmos na nota si e a compararmos com as cordas ré e mi. Neste caso, obtemos o som [mais] grave da nota si com a corda ré e o som [mais] agudo com a corda mi.
para a afinação alta
para a afinação baixa
Desta forma, comparando cada nota dedilhada com uma corda solta e afinando-a com um intervalo consonante justo (3ª, 4ª, 5ª e 6ª), podemos obter um ponto exato de cada nota em afinação perfeita.
Se a corda solta vizinha não formar um intervalo consonante para a nota dada, então podemos afiná-la através da nota auxiliar, que cria consonância com a corda solta necessária. Por exemplo: a nota dó (na corda lá) pode ser afinada na corda mi apenas em som agudo. Se a quisermos afinar em baixo na corda sol, então afinamo-la através da nota auxiliar mi na corda ré.
Assim, primeiro afinamos a nota mi e depois a nota dó:
mi' baixo do" baixo
Outro exemplo para afinar as notas nas cordas graves é o seguinte: o dó sustenido (na corda Sol) pode ser afinado para a corda lá através da nota auxiliar mi ou lá na corda ré:
dó# com o lá
dó# com o lá
É muito importante tomar a decisão correcta sobre qual o texto musical a afinar em afinação grave e qual em afinação aguda. A melhor escolha é a afinação baixa principalmente para as teclas com bemóis (porque as notas lá e mi são bemóis). Por exemplo, de Dó maior para Ré bemol maior. Da mesma forma, a afinação aguda é principalmente para tons com sustenidos (quando a nota sol muda para sol sustenido). Por exemplo, de lá maior até dó sustenido maior para ré bemol maior.
Esta questão é bastante complicada e necessita de um estudo separado porque há tonalidades em que alguns sons são agudos e outros graves.
Se considerarmos a afinação de um quarteto, temos de considerar uma quinta
mais:
Nesta variante, uma afinação baixa estará ligada às cordas dó e sol no que respeita ao violoncelo e à viola. A corda ré será o centro, e a afinação alta estará ligada às cordas lá e mi.
2. O segundo fenómeno que aparece na afinação justa, por oposição à afinação temperada, é que as notas enarmônicas não soam da mesma maneira. Por exemplo, o sustenido não soa da mesma forma que o Si bemol:
Assim, a nota sustenido será sempre mais grave do que a nota bemol. É muito fácil verificar este facto afinando, por exemplo, o sustenido na corda lá. Aqui temos uma dificuldade em afinar diretamente para a corda aberta, uma vez que nem a corda mi nem a corda ré estão em consonância com o lá sustenido. Assim, afinamos esta nota através da corda auxiliar fá sustenido:
Agora se imaginarmos que esta nota é si bemol (enarmónica do lá sustenido) e a tocarmos através da sexta com a corda ré solta, então ouvimos o quão baixo o lá sustenido soará comparado com o si bemol.
Isto aplica-se a todas as notas do violino, exceto às cordas lá e ré (para o quarteto apenas a corda ré como centro), uma vez que estas duas notas são o centro da afinação e não podem oscilar para cima e para baixo. Pelo contrário, todas as outras notas são afinadas em relação a estas.
Assim, o meu conselho para os quartetistas relativamente à afinação dos acordes é o seguinte: tocar a terça maior do acorde um pouco mais abaixo (como uma nota "sustenido") e a terça menor um pouco mais acima (como uma nota "bemol").
Os acordes de sétima são afinados como duas terças, como no exemplo abaixo:
3. Finalmente, quando conseguimos afinar perfeitamente duas notas jusas, então a sua harmonia criará um terceiro som - um harmônico grave - que só será ouvido quando as duas notas tocadas estiverem perfeitamente afinadas.
Como o harmônico resultante é uma oitava mais baixo do que a corda dupla, não se ouve bem no registo grave do violino (nas cordas de sol ré). É bem percepcionado nas cordas agudas, e para intervalos consonantes (terças e sextas, quintas e quartas) soa sempre como a fundamental desses intervalos.
Para definir a fundamental de uma corda dupla, devemos referir-nos à construção do acorde comum (tríade) do 1º grau da tonalidade maior. Por exemplo, em dó, será o seguinte acorde, que consiste em duas terças: dó-mi maior e mi-sol menor.
terça maior
terça menor
Assim, ao tocar a terça maior dó-mi (no registo agudo), a fundamental aparecerá uma oitava abaixo, que por sua vez é o som mais baixo da terça dada:
Se tivermos a terça menor (segunda) mi-sol, então a fundamental aparecerá no baixo como um som que falta para formar a sua tríade:
O mesmo acontece com as sextas, porque são uma inversão da terceira. Na sexta menor (inversão da terceira maior), o baixo tocará a nota superior da sexta, pois esta é a tónica. Para a sexta maior (inversão da terça menor), a fundamental em falta soará no baixo:
nota do baixo
Tabela cromática de terças e sextas com a sua nota do baixo, etc.
A nota do baixo soa sempre em intervalos de quintas (porque é a tónica desta tonalidade).
Mas para a quarta direita é sempre a nota superior, porque a quarta é a inversão da quinta da tonalidade dada:
nota do baixo
Tabela de quintas e quartas com a respectiva nota grave:
Para concluir, gostaria de salientar um aspeto simples mas importante. Embora a afinação temperada seja a base do sistema musical europeu, os instrumentos de corda continuam a utilizar a afinação justa. Não é muito comum no ensino atual dedicar atenção suficiente à diferença entre estes dois tipos de afinação (pura e temperada). A diferença é muito importante porque a afinação justa é a base principal da afinação harmónica dos instrumentos de corda. Desde a quinta básica até todos os intervalos derivados.
Um resultado muito positivo pode ser alcançado assim que o músico começa a usar conscientemente este tipo de afinação e todos os fenómenos acústicos envolvidos na afinação justa.
1 W.W. Norton & Company, Nova York e Londres, 2007.
2 Publicado na revista The Strad, edição de dezembro de 2007.
QUODLIBET https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=3620471






















