Arte do Violino
CARACTERÍSTICAS PREOCUPANTES DE PROFESSORES DE VIOLINO.
"Da a palavra ensino entendemos a transmissão do conhecimento adquirido a outros". 1
No universo do violino, há muitos professores que tudo fazem por dinheiro ou fama. Há aqueles que demandam muito dos alunos, mas não conseguem passar o conhecimento devido. Outros ensinam menos do que deveriam e fazem o aprendizado ser extremamente lento, abaixo da capacidade de aprendizagem do aluno. Escondem propositalmente o conhecimento, talvez por por medo de novos concorrentes. Outros ignoram os processos adequados de pedagogia do violino. São emocionalmente inseguros. Alguns casos beiram o charlatanismo. Por outro lado, existem professores excelentes que cobram muito dinheiro, mas não se presume que, porque cobram valores altos, eles sejam necessariamente bons professores.
Baseado em um texto original de Carl Flesch, 2 apresento abaixo quatro modelos de professores que ele considera inadequados para a carreira pedagógica. Estes podem ter uma ou mais dessas características. Há também um quinto modelo de professor, não abordado por Carl Flesch, mas sim por Barbara Paull e Christine Harrison, 3 cujo comportamento é extremamente importante ser discutido em mais detalhes.
1) O professor egocêntrico, que também pode ser narcisista, raramente abnegado e paciente, imprime em seus alunos, mediante um processo de encantamento psicológico, de um modo amável, seu modelo de personalidade que nem sempre é um modelo positivo. Pode ser manipulador e assim imprimir suas fraquezas sobre os alunos. Esse tipo de professor inconcientemente quer aprovação de sua maneira de tocar e também de sua personalidade, o que revela insegurança emocional. Ele as obtém tentando produzir cópias de si mesmo.
2) O professor descontrolado, instável, que pode surtar durante as aulas. Pode ser um tipo explosivo. Tem por principal característica interromper o aluno todo o tempo enquanto este apresenta o fruto de seu estudo semanal. Às vezes, de modo vingativo, atira sobre o aluno suas frustrações pessoais. Não tem qualquer autocontrole sobre si mesmo e sobre suas opiniões.
3) O professor solista que abraça a carreira de ensino sem levar em consideração que esta não é uma carreira de solo. Faz isso por dinheiro, por um emprego estável, mas não pelo gosto de ensinar. Assim, ao desprezar a carreira de ensino e sentindo-se predestinado a ser solista, usa cada minuto das aulas para praticar seu instrumento. Faz todo tipo de demonstração ao instrumento tocando todo o tempo para o aluno. É um indolente intelectual. O aluno submetido a esse sistema de ensino se tornará nada mais que um imitador sem individualidade e independência.
4) O professor acompanhante é uma figura patética e um tanto cômica. Sempre com o violino nas mãos ou ao piano, não para de tocar em uníssono com seu aluno sem fornecer uma base harmônica. Alguns cantam enquanto o aluno toca. Não observa o que o aluno faz e tampouco o ouve. Ao tocar junto com o aluno mais atrapalha que ajuda, pois pode provocar desafinações. Esse sistema de ensino é uma tentativa inconsciente de livrar-se da atividade desgastante de observador.
5) Um quinto tipo de professor, talvez o mais danoso de todos, é o que acredita no mito que prega que “onde não há dor não há ganho”! Isso quer dizer que a dor faz necessariamente parte do aprendizado, que não há aprendizado e progresso sem dor! Isso além de falso é absurdo! Esse tipo de professor apresenta características de personalidade de um sádico!
Para complicar ainda mais as coisas, está o fato de que a produção musical é provavelmente uma das últimas áreas de atuação que mito de que onde "não há dor, não há ganho" ainda reina. Talvez alguns de nós saibamos que isso foi cientificamente provado ser falso, mas em um nível emocional a maioria de nós ainda cai na armadilha de acreditar que a dor é um componente da excelência. Professores bem-intencionados, mas equivocados, muitas vezes estão entre as primeiras influências em nossa aceitação desse mito, advertindo os alunos a não usarem a "desculpa" da dor para restringir seu trabalho e aumentar o progresso. Quantos músicos acham que as sessões de boa prática são aquelas em que ao final só provocam a procura de um pé-de-cabra para tirar o corpo exausto e enrijecido do instrumento? Nossa mentalidade de "sucesso a qualquer custo" alimenta essa crença e faz com que muitos de nós pensemos que, para não sentir dor, devemos sacrificar o progresso ou qualidade em nossa produção musical. 4
Pelas regras atuais, um professor pode no máximo se comportar como um mentor. A frase na qual Carl Flesch afirma que “o professor ideal não considera sua profissão um meio de existência, mas antes de tudo um chamado, uma razão de existência, uma obra de vida”, 4 ainda é válida. Ensinar é sacerdócio!
Distanciamento profissional entre professor e aluno hoje em dia se faz necessário.
Um professor deve ser um mestre na arte de seu instrumento e, portanto, também ser capaz de realizar na prática suas intenções. Não deve se esquivar de se esforçar, se necessário, de se preparar para as aulas. Calma, auto controle, respeito, análise objetiva e precisa das peculiaridades físicas e psíquicas de seu aluno, confiança mútua, são elementos essenciais a um bom processo de ensino e aprendizagem. "O julgamento da performance do aluno deve ser baseado em lógica aguda e os problemas que se revelam devem ser eliminados por medidas experimentadas e testadas". 5
Um equívoco pedagógico comum, emocionalmente danoso, em geral é cometido nas famosas “masterclasses” (aulas públicas) pelos professores que têm carreira de solista, é o de inflar o ego de alguns alunos e rechaçar o de outros. Pode também ser cometido durante as aulas individuais.
Por serem famosos, solistas atraem muitos alunos interessados em adquirir seu saber e também aqueles que querem se mostrar, alunos caçadores de elogios. Esse tipo de professor muitas vezes costuma estabelecer comparações infundadas e desnecessárias entre os alunos. Elogia um tipo de aluno e denigre outro. Não é uma atitude construtiva.
Ao agir assim este professor revela sua personalidade e gostos pessoais. Deixa à mostra sua íntima personalidade e a impõe sobre os alunos. Na maioria das vezes seus critérios de avaliação qualitativos estão equivocados, obscurecidos pelo próprio ego, pela própria vaidade. São subjetivos, desprovidos de lógica. Quando um professor toma esse tipo de atitude, ele revela que não tem formação acadêmica na área de psicologia, pedagogia e didática, nem formal e sequer intuitiva. É uma atitude prejudicial à maioria dos alunos.
Em geral solistas que se arvoram a dar aulas cometem muitos enganos básicos de pedagogia. É muito comum. O difícil é encontrar solistas que não cometem esses enganos. Por isso, eu sempre escolhi estudar com aqueles que já haviam encerrado a carreira solo ou de espala de orquestra.
Com o objetivo de evitar esses problemas acima apontados, é aconselhável a todo violinista, ainda no início de sua carreira profissional, procurar formar-se em dois cursos superiores, um curso de educação musical e outro de bacharelado em seu instrumento. Combinando os conhecimentos que nas universidades em geral são oferecidos em separado ele terá condições de evitar erros clássicos de pedagogia e ainda ser capaz de ensinar a arte do violino com qualidade.
Alerta aos alunos:
Grande parte dos professores apenas repete o que aprenderam com seus próprios professores! Dão em geral as mesmas instruções que receberam aos seus alunos como se fossem meros repetidores. Não fazem uma reflexão sobre o conteúdo que estão ensinando. Suzuki faz um paralelo entre o ensino do violino e o aprendizado de palavras e frases por papagaios. Esse tipo de ensino é em geral eficiente com crianças, mas pode não ter a mesma eficácia com adolescentes e adultos. As pessoas nessa fase de maturação precisam adquirir consciência do que estão praticando, da razão das decisões musicais tomadas, dos motivos de escolha de arcadas e dedilhados e dos objetivos a atingir. Repetindo, infelizmente professores solistas não têm em geral formação básica em pedagogia. Em geral tem somente formação musical, assim é comum apresentarem certas inabilidades quanto ao processo de transmitir o conhecimento e de resolver problemas alheios. Muitos ensinam como meros repetidores e tratam seus alunos como se fossem depósitos onde colocam seus saberes. Esta é uma das razões do violino ser tão difícil de aprender.
Um outro tipo de aula que muitos danos pode provocar no aluno é aquela na qual o professor faz apenas proposições limitadas de habilidades técnicas a adquirir, de estudos e de repertório. Espera que o aluno tome a iniciativa de aprender algo. Crê que uma habilidade, estudo ou repertório tem que estar em estado de perfeição para que o aluno possa seguir em frente. É comum iludidamente acreditar no que faz e não perceber que está impedindo o progresso de seus alunos. O pior dano que pode infligir ao aluno é fazê-lo acreditar que o certo é aprender pouco e vagarosamente. Uma vez criado no aluno este ato de fé em suas próprias limitações é difícil revertê-lo.
Professores assim costumam coletar o pagamento com regularidade. Mas é uma forma de charlatanismo!
1 - Carl Flesch, The Art of Violin Playing, volume 2, Carl Fischer, NY, 1930, pg. 125.
2 - Ibid. 2 pgs.126 e 127.
3 - Barbara Paull e Christine Harrison, The Athletic Musician, a guide to playing without pain, The Scarecrow Press, Inc. Lanham, Md, & London, 1997, pg. 6.
4 - Carl Flesch, The Art of Violin Playing, volume 2, Carl Fischer, NY, 1930, pg. 126.
5 - Ibid, página 126.
Comentários:
jeancastanho
07 de jul. de 2021
Gostei! O que seu Blog está promovendo é um dos raros momentos em que se discute assuntos que abrem a mente para a descoberta da verdade no meio musical, principalmente o erudito.
egonmattos
07 de jul. de 2021
Respondendo a jeancastanho
Obrigado, a ideia central é essa. Os brasileiros precisam saber a verdade sobre o que significa qualidade técnica e musical no processo de ensino/aprendizagem de violino. A ausência de qualidade não é um fenômeno exclusivamente brasileiro, é mundial. As universidades pararam de contratar professores em todas as áreas por serem apenas bons professores. As razões em geral são outras. No caso da música no resto do mundo é a fama e conexões políticas. No do Brasil diplomas de mestrado e doutorado e também a política. Muitos concursos são elaborados para contratar pessoas já previamente escolhidas. Constitui fraude! No meio particular há uma concorrência muitas vezes desleal e anti ética. Basta olhar o que alguns falam dos colegas no YouTube de modo descarado contra a concorrência. É vergonhoso! Que façam melhor!
Alexandre Sinicio
07 de jul. de 2021
Em síntese, um bom professor é aquele quem, além de uma boa compreensão e formação em pedagogia, deve saber absorver de forma analítica a condição mecânica, psicológica e cultura do aluno ao violino. Como diriam os nossos antepassados, é necessário calçar os sapatos do outro para poder "saber o outro" criando com isso condições de deslocar o aluno de seu lugar para alturas cada vez maiores e bem construídas na arte do violino.
egonmattos
07 de jul. de 2021
Respondendo a Alexandre Sinicio
É verdade, esta posição é muito delicada e exige maturidade do professor. O treinamento dado pelas escolas superiores de pedagogia ajudam. Não basta saber música e ser um bom atleta ao violino para ensinar bem. É importante descer do pedestal de artista para ser capaz de enxergar e resolver os problemas alheios!