Arte do Violino
Escolas "Franco-Belga" e "Russa" de arco, estudo comparativo.
O objetivo deste artigo é um rápido estudo comparativo entre as bases da escola de arco “Franco-Belga” e a “Russa”. Muitos anos se passaram desde a saída de Leopold Auer da Rússia e a atualidade. O advento da União Soviética e suas inevitáveis modificações no sistema educacional do país criaram o que Boris Schwarz, em seu livro “Great Masters of The Violin”1 (Grandes Mestres do Violino), denomina escola “Soviética” de violino, para diferenciá-la dos princípios de Auer.
A maioria dos violinistas soviéticos de hoje (pelo que posso observar) também retornou à empunhadura de arco tradicional ensinada em Paris. Por mais paradoxal que possa parecer, foi Carl Flesch, em Berlim, quem codificou a chamada empunhadura do arco “Russo”, após cuidadosa observação de alunos proeminentes de Auer. O próprio Auer não prestou atenção, desde que o arco estivesse paralelo ao cavalete.2
Resumindo e sem entrar em detalhes, a escola “Soviética”, através de uma observação de como seus representantes tocam o violino, parece ser uma combinação do legado de Auer e a escola “Franco-Belga”. Hoje isto é facilmente verificável em “sites” como o Youtube e em livros como “The Russian Violin School, The Legacy of Yuri Yankelevich”3 (A Escola Russa de Violino, O Legado de Youri Yankelevich). Cito a existência da escola “Soviética” apenas para diferenciar o que ocorreu antes e depois da saída de Auer do território da Russia Imperial. Estas modificações e fatos históricos não serão objeto de análise neste breve estudo.
Como um grande admirador de Heifetz, pois cresci no interior do Brasil ouvindo suas incomparáveis e maravilhosas gravações, estudar com Sidney Harth foi uma oportunidade única e inesquecível. Nos meu anos de aprendizado e aperfeiçoamento ao violino com este grande mestre e virtuose, o qual tinha grande orgulho de usar a técnica de Auer, realizei tardiamente meu sonho de infância e adolescência de aprender a hoje considerada escola antiga e por muitos desprezada. Em geral isto ocorre por absoluta ignorância do que se trata ou inveja de sua eficácia. Harth afirmou a mim: “É escola antiga e por isso é a melhor!”
Recordando minha juventude, em 1981 ganhei uma cópia do livro “El Violin”, onde há a seguinte descrição:
Sistema russo
Mão direita.
Outro sistema que tem obtido sucesso com os alunos do professor Leopold Auer é o chamado "sistema russo". Este difere do “franco-belga” em termos do apoio do dedo indicador que pressiona e engancha lateralmente a vareta com a terceira falange. Enquanto a rotação interna do antebraço é, no sistema “franco-belga”, de quase 25 graus, no sistema "russo", por outro lado, atinge mais de 45 graus.
Preferir um sistema ou outro parece prematuro para nós. Argumenta-se que o jeito russo permite um som mais intenso e com menos fadiga. Como explicar, então, a incomparável potência sonora do violinista belga Eugenio Ysaye, e a bela, mas rara, sonora de um dos mais famosos alunos de Leopold Auer?4
Estes dois parágrafos ficaram para sempre gravados em minha memória e por anos busquei a resposta para a dúvida levantada pelos autores.
Só quando anos depois tive em primeiro lugar a oportunidade de ir aos EUA estudar com Sidney Harth, por dez anos até sua morte, e em segundo com minha participação no Heifetz Symposium promovido anualmente por Sherry Kloss, aluna e assistente de Heifetz, onde, além de estudar com ela, tive oportunidades de ter aulas com outros grandes violinistas como Joseph Silverstein, Elaine Skorodin, Aaron Rosand e também em particular em Nova Yorque com Nina Beilina, encontrei a resposta para aquela pergunta.
A resposta é simples: aproveitamento de massa corporal, flexibilidade dos músculos e demais tecidos, biotipo e conhecimentos de biomecânica aplicados aos movimentos do corpo ao tocar o violino. Auer usava estes conhecimentos instintivamente. Hoje são estudados em escolas de medicina, fisioterapia e esportes, mas não nas de música. Isto é um grande erro dos musicistas e professores de música em geral. Estes assuntos serão abordados em detalhes em outra oportunidade.
Abaixo transcrevo os dizeres de Carl Flesch sobre as escolas ”Alemã”, “Franco- Belga” e “Russa” encontrados em seu livro “The Art Of Violin Playing, Book One”5 (A Arte de Tocar violino, Livro Um). Os pontos mais importantes coloquei em negrito, mas não são originais do texto. Assim ele afirma:
Segurando o Arco
Podemos distinguir entre três tipos de pegadas de arco:
1. A mais antiga pegada de arco (Alemã). O dedo indicador pressiona a vareta com sua parte inferior (superfície palmar), aproximadamente na articulação mais próxima da ponta do dedo. A posição dos outros dedos é determinada por isto, e o polegar fica em frente ao dedo médio. Todos os dedos são pressionados uns contra os outros e a tensão da crina do arco é moderada.
2. A pegada mais recente (Franco-Belga). O dedo indicador pressiona a vareta para baixo de uma maneira um tanto lateral, o dedo tocando o arco próximo à extremidade inferior (proximal) da seção média do dedo, que é assim empurrado consideravelmente para a frente na direção da ponta do arco. Existe um espaço entre o dedo indicador e o médio. O polegar fica em frente ao dedo médio. A tensão da crina é forte e o arco é consideravelmente inclinado.
3. A mais nova pegada de arco arco (Russa). O dedo indicador exerce uma pressão lateral sobre a vareta na articulação do meio. O dedo também circunda um pouco a vareta com a ajuda da seção da ponta. Existe apenas um pequeno espaço entre o dedo indicador e o dedo médio. O dedo indicador assume a orientação do arco, e o dedo mínimo toca a vara apenas quando toca na parte inferior do arco. A tensão da crina é leve e o arco é mais plano do que inclinado.
Considero pegada de arco russa a mais favorável das três, embora não possa esconder o fato de que minha opinião ainda não é compartilhada de maneira geral. De acordo com a experiência que acumulei, devo entretanto designar esta pegada do arco como aquela que dá os melhores resultados sonoros com o mínimo de esforço e força muscular.
Ao examinar os efeitos sonoros de cada um desses três pegadas de arco, devemos primeiro determinar como as várias posições dos dedos influenciam as outras partes do braço, especialmente o antebraço. Vamos discutir a escola mais velha no ítem 1, a escola mais nova no ítem 2 anos e a escola russa no ítem 3.
1. O antebraço é mantido na horizontal a partir da posição do cotovelo, semelhante à posição usada ao piano.
2. Ligeira rotação interna do antebraço a partir da articulação do cotovelo, de aproximadamente 25 graus.
3. Rotação forte do antebraço, de aproximadamente 45 graus.
Que efeito essas diferentes posições do antebraço têm no uso do arco? Para verificar isso, tente o seguinte:
1. Sem usar o arco, pressione com força o polegar contra a superfície interna (palmar) do dedo indicador na junta mais próxima da ponta do dedo.
2. Agora faça o mesmo, mas mais contra a lateral do dedo indicador e contra a extremidade inferior da seção média do dedo.
3. Faça o mesmo, mas contra o lado da própria junta do meio.
Feito isso, você notará que a força necessária é maior para a primeira abordagem e menos para a terceira. Em geral, também, se eu quiser exercer forte pressão sobre um objeto imóvel, sempre terei a tendência de girar o antebraço para frente a partir da articulação do cotovelo, tanto quanto possível. Posso então, por experiência, determinar que a sustentação "russa" do arco produz sem esforço a maior quantidade de sons, junto com a maior estabilidade da vareta do arco. Atribuo esse efeito menos à posição do próprio dedo indicador do que à rotação pronunciada do antebraço, que é sua consequência. Com esta abordagem, a pressão que o dedo indicador transmite à vareta é anatomicamente a mais natural e, portanto, requer o mínimo de esforço. Além disso, esta abordagem permite que a ponta e as seções médias do dedo indicador envolvam parcialmente a vareta, tornando possível tomar posse dela e impor sua vontade sobre ela. Na pegada “franco-belga” do arco, essas partes do dedo indicador são apêndices mais ou menos inúteis. Há um ditado conhecido que mesmo que o grande pintor Rafael tivesse nascido sem mãos, ele ainda teria sido um grande pintor. Seguindo as linhas desta ideia, temos de reconhecer, é claro, que muitos violinistas tiveram sucesso em se tornar grandes artistas, apesar de sua pegada de arco antiquada, e que nunca se pode afirmar que tais questões detalhadas podem parecer imateriais. No entanto, no campo da pedagogia, o erro costuma ser cometido ao elevar a maneira completamente pessoal de tocar de um grande violinista ao nível de um princípio geralmente válido. A simples imitação de peculiaridades técnicas de personalidades ainda mais elevadas (cujas idiossincrasias individuais podem não ser necessariamente bons modelos) está no mesmo nível que a imitação das expressões faciais e idiossincrasias da fala de um ator: isso leva à mera cópia.
As vantagens que, em minha opinião, a pegada de arco "russa" possui, não são de forma alguma negadas ao apontar para violinistas de destaque de outras escolas; o que conta é o sucesso que se consegue com grande número de alunos de vários níveis de talento. Pessoalmente, estou plenamente convencido de que, assim como depois de séculos de "escravidão" da parte superior do braço, agora acreditamos totalmente em sua liberdade irrestrita de movimento, a pegada de arco "russa", com sua sonoridade inerente e "kraftsparenden" [economia de energia] (energia e economia de força), será a única a ser ensinado em 50 anos.
No que diz respeito ao aprendizado ou aquisição desta pegada de arco, temos que distinguir claramente entre o iniciante, que não conhece outra pegada de arco, e o violinista mais ou menos avançado, que busca mudar para a pegada de arco "russa". De acordo com a experiência que eu e outros professores do meu conhecimento próximo tivemos, o iniciante sente esta pegada de arco ser totalmente natural e se acostuma com uma rapidez incomum. O que é notável é o fato de que, mesmo desde o início, o "arranhar" é evitado, e o iniciante é capaz de produzir um som relativamente imaculado e saudável. Com orientação e instrução adequadas, o desenvolvimento posterior da técnica do arco é completamente normal e é caracterizado por uma produção de som surpreendentemente natural e cada vez melhor. 6
Infelizmente a previsão de Carl Flesch sobre o predomínio da escola “Russa” não se cumpriu. Fatores históricos e a resistência natural do ser humano a novidades e melhorias, o que demanda humildade e uma grande capacidade de reconhecimento de limitações e busca contínua da auto superação, impediram este processo. Sorte têm aqueles que na atualidade conseguiram aprender com os herdeiros do legado de Leopold Auer e Carl Flesch.
Sidney Harth, inspirado pelo exemplo de Menuhin, foi iniciado aos quatro anos de idade ao violino por Albert Sack. Aos nove estudou com Herman Rosen, aluno de Auer e dos quinze aos vinte um com Joseph Knitzer. Também estudou com Felix Eyle, Joseph Fuchs, Michel Piastro e Georges Enesco.7
Como métodos de técnica básica, além de estudos e repertório (músicas de diversos autores e estilos), Harth adotou comigo, e creio que com outros alunos também, o “Urstudien”8 (Estudos Básicos) de Flesch, “The Technics of Bowing”9 (As Técnicas de Arco), de Casorti, e o “Comprehensive Scale Manual”10 (Manual Compreensivo de Escalas) de Wessely, este com dedilhados modernizados. Também aconselhava estudar partes dos livros de Dounis,11“Finger Stregthening Exercises for The Violin”12 (Exercícios de Fortalecimento de Dedos) de Alexander Bloch. Para a compreensão do uso do arco obrigava a leitura do livro “Problems of Tone Production in Violin Playing”13 (Problemas da Produção de Som ao Tocar Violino), de Carl Flesch.
Entre todos estes livros, o objeto principal deste estudo é o de Casorti, pois apesar de ser evidentemente escrito para atender as necessidades da escola “Franco-belga”, Harth usava-o para ensinar a técnica de arco “Russa”, de Leopold Auer. Com a devida diferença da pegada do arco e da altura usada pelo cotovelo, há muitas coisas em comum entre as duas escolas. Assim, observando semelhanças e destacando diferenças, é possível usar um método elaborado sob o ponto de vista da escola “Franco-belga” para ensinar a “Russa”. Isto é o que Harth de modo extremamente inteligente fazia.
Começaremos mais uma vez comparando as diferentes pegadas de arco das duas escolas.
Ao contrário do que alguns violinistas afirmam, de fato os dedos são curvados e flexíveis nas duas escolas. Os pulsos também são flexíveis. As diferenças são em quais juntas das falanges os dedos tocam a vareta do arco.
Na “Franco-Belga” o indicador e o médio tocam na junta entre a segunda e a terceira falanges e o anular nenhuma junta toca, apenas a lateral da terceira falange e o mindinho toca com a ponta da terceira falange. O polegar toca na ponta do dedo médio, na terceira falange, e forma um "anel". O polegar pode parcialmente também tocar na “ponta” do talão ou ser posicionado no espaço entre o couro e a “ponta” do talão. Esta última variação de posição do polegar cria muita instabilidade no uso do arco. A mão fica em 25 graus com a vareta. Este fator demanda que o indicador pressione a vareta quando o arco é movido para baixo e pressione com o mindinho quando é movido para cima.
Na escola “Russa” o indicador toca a vareta na junta entre a primeira e a segunda falanges e a terceira falange "enrosca" na vareta. O dedo médio toca entre também na junta entre a primeira e a segunda falange e a terceira falange toca o "anel" de metal do talão cobrindo-o. O dedo anular toca a vareta na junta entre a segunda e terceira falanges e o mindinho toca a vareta com a ponta da terceira falange. A mão fica em 45 graus com a vareta. Isto aumenta a estabilidade do arco e menos pressão é exercida com os dedos sobre o arco e as cordas. O controle da pressão do arco sobre a corda quando este é movido para baixo e para cima é executado com pequenas variações e ajustes da altura do cotovelo.
Comparando os efeitos das duas escolas de técnica de arco sobre os braços e dedos, é evidente a conclusão que a escola “Franco-Belga” causa mais tensão muscular e a “Russa” mais relaxamento muscular. Como passei pelas duas escolas durante minha vida de estudante e profissional, posso atestar a veracidade desta afirmação por experiência pessoal.
O livro de Aug. Casorti, “As Técnicas de Arcadas para Violino”, op. 50,14 não é muito claro em sua introdução por problemas de tradução e estilo. Depois desta, o restante do livro é auto explicativo e em geral bastante objetivo e compreensível. Mesmo assim, como um professor criterioso, cuidadoso e dedicado, Harth leu o livro completo e explicou a mim cada detalhe inerente. Fez o mesmo com os outros livros já citados. Esta obra de Casorti pode ser trabalhada na ordem em que se apresentam os exercícios ou não. As explicações em inglês são fáceis e um domínio em nível básico desta língua, auxiliado por um bom dicionário, pode ser suficiente para entender como se pratica cada exercício. O critério de ordem de estudo é à escolha do violinista, respeitando alguns limites de “aquecimento” da musculatura. Como dizia Harth, variedade é salutar!
Sobre os exercícios da página 20, de “notas longas”, Harth introduziu uma pequena alteração. Ele não admitia que estes exercícios fossem feitos em cordas soltas, pois assim tornam-se muito fáceis e não representam os desafios reais da técnica de “sustentação” de som ao violino. Deste modo advertia que deve ser introduzido o segundo dedo da mão esquerda na terceira ou quarta posição sobre a corda em que se pratica, com o objetivo de dificultar e atingir um nível mais alto de controle da sonoridade. Demandava que exercícios de “sustentacão de sonoridade contínua” devem ser praticados por quinze minutos diários. Com o objetivo de justificar estes exercícios, transcrevo abaixo as palavras de Yuri Yankelevich:
A capacidade de mudar arcos de forma inaudível é essencial para tocar uma cantilena. Em grande medida, essa habilidade determina o nível geral da técnica da mão direita e a qualidade geral do som, e requer muito trabalho. É por isso que é necessário praticar mover o arco lentamente e tocar (ou "segurar") notas longas. 15
Assim inicia Casorti seu livro:
Nota Preliminar 16
Meu objetivo ao publicar este livro é demonstrar aos jovens violinistas a importância do estudo de arcadas, de um pulso flexível e, acima de tudo, da flexibilidade nas articulações dos dedos da mão direita.
O arco representa, em certa medida, a voz humana; por ele o som do violino é produzido; com o arco, grandes artistas cativam, encantam e arrebatam seus ouvintes.
Estou convencido de que quem observar atentamente minhas instruções desenvolverá uma sonoridade agradável e um estilo flexível e elegante do uso do arco.
Em seguida, depois do índice, inicia a parte teórica:
Acrescento algumas análises intercaladas que se fazem necessárias por ser um texto muito antigo mas ainda válido. Como recebi explicação oral deste texto por Harth, assim quero passar o máximo dos conhecimentos de meu mestre principal, e também de outros com os quais tive a oportunidade de estudar, à juventude brasileira.
As Técnicas das Arcadas
Introdução 17
As Seis Arcadas Fundamentais
Existem seis arcadas fundamentais; todas as outras são combinações de várias maneiras a partir destas. Recomendo com muita urgência aos jovens violinistas que estudem estas seis tipos de arcadas diligentemente, pois elas são a base e a chave de todo o resto. São classificadas assim:
1. O golpe de arco rápido destacado com arco inteiro (grand détaché).
2. O golpe de arco que imita o canto.
3. O golpe de arco martelado na ponta (martelé).
4. O golpe de arco destacado com o antebraço (détaché).
5. O arco saltitante.
6. O golpe de arco lançado.
Regras para Arcadas
1. Para obter um som refinado, o arco deve ser puxado, para cima ou para baixo, em ângulo reto (em relação à corda), com os movimentos; e em hipótese alguma deve ser permitido deslizar do cavalete em direção à tastieira, ou vice-versa.
De acordo com Harth, esta regra de se manter o arco em ângulo reto em relação às cordas era absolutamente válida até a invensão das cordas de aço. Neste caso, quando estas são utilizadas em um violino, a corda mi principalmente, é necessário inclinar ligeiramente o arco para a frente do tórax, como se houvesse a intenção de atingir a voluta do violino, e deste modo evita-se que a corda “apite” ou “assovie”. Este “assovio” é um efeito físico que ocorre quando a corda passa a “girar” ao longo de si mesma e sobre os pontos de apoio entre o cavalete e a noz sem a devida “ancoragem”, assim produzindo um som de “assovio”. As notas falham. Ao inclinar propositalmente o arco desta forma este efeito é previamente evitado.
2. O arco deve ser mantido entre a tastieira e o cavalete, mas um pouco mais próximo da cavalete.
3. A crina deve ficar plana sobre a corda, e a vareta deve ser ligeiramente inclinada em direção à tastieira.
Isto significa que a vareta na vertical estabelece um ângulo de 90 graus com a corda.
4. Para produzir um som flexível (não duro) e agradável, não aperte a crina deixando-a muito esticada com o parafuso.
5. Nunca segure o arco com muita força; pois o pulso e as várias articulações da mão e dos dedos devem sempre ser mantidos perfeitamente flexíveis. O polegar, com o auxílio do qual o arco é equilibrado, deve ser mantido levemente dobrado.
Harth dizia que o arco deve ser segurado como uma “pena”.
6. Sempre segure o cotovelo mais baixo do que a vara, para que o braço não pese sobre as cordas e prejudique a qualidade do timbre.
Desde que cordas de aço e sintéticas passaram a ser usadas em detrimento das de tripa sem capa metálica, o oposto é o necessário a se fazer, pois estes tipos de cordas não naturais são muito tensas e demandam muita pressão. É necessário aplicar mais pressão sobre elas que nas de tripa, como assim advertia Aaron Rosand.
7. No arco para baixo, o indicador deve pressionar levemente a vareta para mantê-la estável; no arco para cima, o dedo mínimo pressiona, com o cotovelo puxado para dentro e o punho gradualmente levantado de modo a retomar sua posição correta sobre o cavalete.
A pressão do indicador sobre a vareta era defendida por Joseph Silverstein para evitar que o arco “tremesse” na parte superior .
Como já foi dito antes, na escola de Auer, de acordo com Harth, o controle da pressão do arco sobre a corda quando este é movido para baixo e para cima é feita com pequenas variações da altura do cotovelo.
8.Todos os movimentos do arco devem ser dirigidos exclusivamente pelo punho e antebraço, nunca pelo braço ou ombro.
9. Ao manter a corda em vibração constante e uniforme, pode ser desenvolvido um som que "se propala" a uma grande distância, - mas não através de se exercendo uma pressão exagerada da crina sobre a corda.
10. Todos os acentos devem ser produzidos com o pulso por uma leve pressão da crina sobre a corda e através vareta entre os dedos.
11. A crina nunca deve sair das cordas. E muito cuidado deve ser tomado para se evitar interromper o som em um cantabile no movimento de um arco para baixo e outro para cima, ou o reverso.
De acordo com Harth este é um problema sério não só Brasil mas em todos os países abaixo do “Rio Grande”, a fronteira dos EUA com o México. Os alunos e profissionais retiram o arco da corda quando este está no talão e em seguida o recolocam sobre a corda. Sem qualquer necessidade! Assim o som é sempre interrompido quando o arco está junto ao talão. Eu mesmo já observei alguns alunos fazendo o mesmo com o arco junto à ponta também. De fato há ao menos um método publicado em nosso país que ensina o oposto deste ítem 11 de Casorti, é de Sevcick, 40 Variações.18 Há um símbolo usado no livro, na página 3, em Abreviações e Sinais, um sinal gráfico de parêntese,” )”, que é associado à instrução específica de levantar o arco. Na variação número 1, ainda na página 3, ele é apresentado no primeiro compasso depois de colcheias onde abaixo delas está o símbolo “Fr.”, que em alemão significa talão. Creio que esta possa ser uma das origens deste mal hábito ténico. Não acredito que esta fosse a intenção do autor, mas com certeza é interpretada de modo equivocada e generalizada em situações não previstas como neste exercício.
Complementando, cito o livro de Lucien Capet, “La Technique Supériere De L'Archet”,19 típico da escola “Franco-Belga”, que trabalha a relação de pressão, área de contato, ponto de contato do arco com a corda, atrito e uso da gravidade pelo braço, tudo simultaneamente. Estudei este livro com um antigo professor francês da Escola de Música de Brasília, Nicolas Merat, discípulo de Grumiaux. É um livro com explicações complicadas e às vezes confusas, que mistura técnica de violino e elementos de filosofia em um estilo de linguagem ligeiramente poético. É bonito de ler, mas difícil de entender. Pode criar mais problemas que ajudar se não for criteriosamente compreendido. Contudo, nele há exercícios muito interessantes que podem ser aproveitados em benefício de violinistas adeptos de qualquer escola de técnica.
Muitos violinistas não entendem os conceitos básicos da física e confundem pressão com atrito. São elementos diferentes. Atrito e pressão são relacionados mas não são a mesma coisa. O atrito varia também com o material usado, no caso do violino o tipo de cordas usadas e a qualidade da crina e do breu. A variação da inclinação da vareta pode aumentar e diminuir a pressão sobre a corda assim como o atrito, pois quanto mais crina é aplicada sobre a corda menor será a pressão e maior será o atrito. O inverso também é verdadeiro. Por isso violinistas que costumam tocar com mais crina aumentam a pressão do braço sobre o arco e as cordas através do relaxamento da musculatura de sustentação do braço, pois a pressão é naturalmente diminuída pelas forças da natureza. Com menos crina tudo se inverte, o violinista é obrigado a lutar contra a gravidade, o que pode gerar tensão na musculatura de sustentação do braço direito.
Todo violinista tem que obrigatoriamente desenvolver o controle sobre a inclinação da vareta do arco sobre a corda e sua respectiva qualidade sonora.
Um dos principais exercícios de controle de sonoridade propostos por Capet, representante da escola “Franco-Belga”, é por ele denominado de “Le Coup D'Archet Roule”, que eu traduzo por “O Golpe de Arco Rolante”. Também é possível ser praticado pelos adeptos da escola “Russa”, de Auer.
O violinista deve conduzir o arco em divisões pares ou ímpares mudando a inclinação da vareta em direção à tastieira e cavalete, de modo alternado, rolando a vareta do arco entre o dedo médio e o polegar sem variar a pressão e o ponto de contato ou velocidade de condução do arco. Neste tipo de exercício é muito fácil variar, por sua natureza, a qualidade do som, do timbre, pois a relação área de contato, ponto de contato, pressão e atrito mudam todo o tempo. O objetivo é adquirir uma sonoridade equilibrada e igual do talão à ponta e vice-versa. Reforço: ele tem que ser praticado sem que haja variações de qualidade de som, do timbre. Isto é válido tanto para a escola “Franco-Belga”quanto a “Russa”.
Quando há variações de qualidade de som, por falta de atenção, este exercício pode produzir um efeito colateral grave e indesejável, que nos EUA não é bem visto, não é aceito, e foi alcunhado por Silverstein de “vibrato de arco”! No Heifetz Symposium, foi evidente que ele não gostava do trabalho de Capet, pelo tom de sua voz. Silverstein foi muito incisivo contra este livro. O prórpio Capet na página 23, onde descreve “O Golpe de Arco Rolante”, ao final do parágrafo 59 o chama de “um tipo de vibrato de arco”. 20
A tendência natural do aluno é não prestar atenção nestes problemas, então o exercício, que em princípio é bom e inteligente, torna-se desastroso e abominável. É um fenômeno interessante de observar e deve ser evitado.
Há sugestões muito interessantes de escalas em cordas duplas com intervalos diferentes combinados e diversos exercícios de técnica de arco. É um livro rico e variado, não deve ser simplesmente ignorado.
Também, em diversas partes do livro, há outros exercícios específicos de inflexão sobre a vareta do arco que estimulam o aparecimento do indesejável "vibrato de arco". Se o violinista não é adepto deste estilo musical e de técnica, e/ou não consegue controlar o som resultante, basta não praticar estes exercícios!
Há evidências que a escola “Russa”, por ser mais natural e mais simples, demanda movimentos menores e menor gasto de energia corporal. Assim, em geral, apresenta movimentos de maior eficácia que os da “Franco-Belga”. Auer não deixou muitos trabalhos escritos com o objetivo estrito de ensinar sua técnica para alunos já adultos e profissionais. A tradição de ensino da escola “Russa” de Auer é essencialmente “oral”. Mesmo assim, com as devidas adaptações necessárias a ser feitas, é possível usar métodos escritos com base nos princípios da escola “Franco-Belga” para aprender a “Russa”. As duas escolas, apesar de apresentarem algumas diferenças, têm muitos elementos de técnica e de estilo de interpretação musical semelhantes, que podem e devem ser compartilhados.
1 - Schwartz, Boris, Great Masters of The Violin, Touchstone, NY, 1983.
2 - Ibid, pg. 421.
3 - Lankovsky, Masha, The Russian Violin School, The legacy of Yuri Yankelevitch, Oxford University Press, 2016.
4 - Pascuali & Principe, El Violin, Ricordi Americana, Buenos Aires, 1952, pg. 112.
5 - Flesch, Carl, The art of Violin Playing, Book One, Carl Fischer, NY, 2000.
6 - Ibid, pgs. 35 e 35
7 - Aplebaum, Samuel & Roth, Henry, The Way They Play, Book 5, pg. 113.
8 - Flesch, Carl, Urstudien (Basic Studies) for Violin, Carl Fischer, NY, 1911.
9 - Casorti, The Technics of Bowing For The Violin, Op. 50, Schirmer's Library of Musical Classics, 1939.
10 - Wessely, Comprehensive Scale Manual for Violin, Carl Fischer, NY, 1928.
11 - Dounis, The Dounis Collection, Carl Fischer, NY, 2005.
12 - Bloch, Alexander,Finger Stregthening Exercises for The Violin, Carl Fischer NY, 1919.
13 - Flesch, Carl, Problems of Tone Production in Violin Playing, Carl Fischer NY, 1934.
14 - Casorti, The Technics of Bowing For The Violin, Op. 50, Schirmer's Library of Musical Classics,1939.
15 -Yuri Yankelevich, The Russian Violin School, The legacy of Yuri Yankelevich, 1- Setting up the Violin and Bow Hold, Translated and Edited by Masha Lankovsky, Oxford University Press, 2016, pg. 26.
16 - Casorti, The Technics of Bowing For The Violin, Op. 50, Schirmer's Library of Musical Classics,1939, pg. iii.
17 - Ibid., pg. 1.
18 - Sevcik, Quarenta Variações, Op. 3, Irmãos Vitale, Brasil, 1901, pg. 3.
19 - Capet, Lucien, La Technique Supériere De L'Archet, Editions Salabert, Paris, 1957.
20 - Ibid, pg. 23.
Comentários:
aldojbarruda
23 de ago. de 2021
Exposição brilhante sobre empunhadura de arco.
Depois de ler o artigo algumas vezes, peguei o arco e coloquei em prática o que o senhor escreveu. Nossa... faz muito sentido e muita diferença nas tensões, alivia o esforço na empunhadura do arco, proporciona melhor qualidade sonora, maior controle do arco.
Não há dúvida de que esse artigo é importante para todo aquele que estuda violino, viola. É uma fonte condensada com grande riqueza de conhecimentos.
Excelente artigo.
Parabéns professor Egon.
Raimundo Nilton Silva
18 de ago. de 2021
Gostei muito do texto. É um trabalho de pesquisa que procura mostrar à diferença básica dessas duas escolas em relação à maneira de segurar o arco para um melhor e fácil resultado musical. Muito bem escrito com excelentes referenças biográficas e práricas, adqueridas pelo autor durante seu estudo acadêmico.
marcos15271308
17 de ago. de 2021
Muito bom o texto, praticamente o conteúdo de aulas de técnica de arco que tive condensadas e sintetizadas para quem quiser ler e para mim quando quiser relembrar. Curiosamente estou lendo essa mesma parte citada do The Art Of Violin Playing. Esses exercícios de Casorti são fundamentais, principalmente o de notas longas, acreditem ou não. Espero que hajam mais textos como esse, pois é uma forma da tradição oral dos conhecimentos da Escola de Auer serem conhecidoss por aqueles que não ouviram.