Arte do Violino
REGRAS BÁSICAS PARA UMA AULA IDEAL A ADOLESCENTES E ADULTOS
A principal função de um professor de violino é a de resolver os problemas dos alunos, principalmente técnicos e musicais! A perfeição, se é que é possível atingi-la, é resultado da aquisição simultânea de um conjunto de habilidades. Eu não gosto do estilo de ensino que procura fazer a arte do violino algo complicado, inacessível, misterioso. Violino é um tipo de esporte combinado com arte, é científico e elementar. É trabalhoso, mas acessível e compreensível. Assim aprendi com Sidney Harth, assim ensino. Muita reflexão e nenhuma prática inútil.
Infelizmente, pela falta absoluta de formação pedagógica e de conhecimentos básicos de anatomia e fisiologia humana, a maioria dos auto intitulados professores de violino do Brasil (muitos dos quais não são formados em educação Musical ou Licenciatura em Música, o que a lei exige ao menos para ao ensino básico em alguns estados do Brasil e nos EUA) cometem erros crassos.
Funciona para o solista, tem que funcionar para todos! Erro número um de pedagogia! Como diz Carl Flesch, o professor solista tenta produzir um imitador impessoal.1 Isso é o oposto do que Harth fazia. Ele produzia violinistas com técnicas diferentes e únicas, e com interpretações musicais também únicas, este é o espírito da escola de Auer. Harth ensinava princípios, não regras rígidas! Cada aluno é único!
De acordo com a faixa etária do aluno, o estilo de ensino do professor pode e deve variar. Não se pode ensinar crianças, adolescentes e adultos em diferentes estágios de maturação sempre da mesma forma. O mesmo pode ser dito quanto à cultura, e esta, ao variar, demanda ajustes no processo de ensino.
Como em toda atividade de prática desportiva, a prática da música, e em particular a do violino, demanda muita disciplina. O objetivo desta disciplina é a constante superação dos limites existentes. O desenvolvimento de uma rotina, discutido por Harth em seu artigo intitulado ENSINO DE MÚSICA: GOSTO, JULGAMENTO E VERDADE, é essencial.
Rotina pode ser maçante e comum, mas também pode ser uma alegria e uma bênção para um profissional ocupado ou um estudante, e por isso um dos meus primeiros objetivos com um aluno é o estabelecimento de um procedimento de prática que eu me esforço para tornar variável e agradável; a realização desse intento só pode ser feita com a pesquisa considerável de publicações contemporâneas e com base na pesquisa mental das próprias experiências dos alunos do professor, então um aluno em potencial será provido com uma estimulante e importante literatura. Embora eu não professe regras fundamentais em meus métodos de ensino, uma vez que cada aluno é a “exceção que confirma a regra”, eu gosto de tê-los trabalhando em vários ítens de uma vez, como se eles estivessem compondo diversas obras ao mesmo tempo, para manter o interesse e cobrir uma múltipla gama de desejos. 2
No caso específico do violino a tradição oral, a transmissão do conhecimento de forma oral e demonstrativa supera o conhecimento escrito. Assim, escolher um bom professor, ouvir seus conselhos e instruções é de suma importância. Esta disciplina não pode sufocar a criatividade do aprendiz, contudo é necessária para que ele possa absorver informações acumuladas desde os primórdios do violino.
Não se pode falar sobre discilpina de alunos adolescentes e adultos sem citar uma pequena comparação com a indisciplina infantil. O comportamento indisciplinado pode ter características e naturezas diferentes. Em uma criança costuma ser um apelo inconsciente por limites e orientação sobre como se comportar. Este também pode ser uma espécie de jogo de poder. Adolescentes e adultos também ocasionalmente podem apresentar este mesmo comportamento de disputa por poder. Existe a possibilidade de serem emocionalmente imaturos e de não compreenderem a natureza da relação hierárquica inerente ao processo de ensino e aprendizagem. Muitas vezes o aluno indisciplinado pode estar mais interessado em competir com os outros e vencer do que em aprender algo novo. Pessoas assim não estão abertas a mudanças e ideias novas. São situações muito difíceis de lidar.
Há casos de alunos com comportamento inadequado para com o professor e ao estudo do violino, que por talvez por falta de um bom aconselhamento familiar, adoram contradizer o mestre escolhido. Tudo o que o professor diz ele retruca: “Não! Do meu jeito é melhor!” Já tive mais de um assim em minha sala de aula. Confesso que algumas vezes, raras vezes, na juventude eu mesmo já tive esse tipo de atitude, o que me causou posteriormente grande arrependimento, pois quase sempre estive errado em relação à opinião do professor. Ao menos soube reconhecer meu erro. É um comportamento comum no Brasil mas também existe nos EUA. Eu testemunhei. Às vezes este tipo de aluno não é leal ao professor escolhido e quer ter aulas com outros mestres simultaneamente, assim criando conflitos. Seu objetivo pode ser o de se exibir e de também o de competir com o próprio professor. Este problema lembra o efeito provocado por Yehudi Menuhin nos seus contemporâneos imitadores, quando todos queriam ser pequenas estrelas e gênios. Alguns pais provocam este tipo de comportamento em seus filhos. Não confiam no professor. O aluno acaba por trazer informações contraditórias para a aula e cria propositalmente atritos com o professor. Este tipo de aluno, se quiser realmente aprender o violino, precisa mudar seu comportamento e ser disciplinado. Necessita aprender a ser humilde. Bom comportamento é essencial ao aprendizado do violino. A forma de discipliná-lo é o problema. Não há uma fórmula pré estabelecida para resolver este tipo de coisa. O aluno não pode ser simplesmente expulso! Professor não é pai do aluno, ensina mas não tem a obrigação de reeducar. Muito menos a de reeducar os pais. A sala de aula de violino não é reformatório.
Uma possível solução a este problema comportamental poderia ser a adoção da ética do Aikido no ensino da música. Em princípio, Aikido não é uma arte marcial de ataque. É uma uma técnica de recondução de forças do oponente. Neste caso específico a “música é o oponente"! Se o professor ensina o aprendiz a reconduzir as forças que a música exige, através de arcadas, golpes de arco, dedilhados, fluidez dos movimentos com suavidade e energia, compreensão do fraseado e estilo musical, ele a toca com facilidade, pois não parte para o ataque agressivo à música. Não gera tensão muscular e emocional.
Apresento abaixo alguns elementos da ética do Aikido. O objetivo é ilustrar e esclarecer o assunto citado.
ASPECTO MENTAL
É necessário superar ... a raiva, o medo, o temor, a vaidade e desenvolver grande firmeza de alma e grande coragem. É por meio da repetição da prática diária que se pode superar o cansaço, a lassitude e sentir o gosto pelo esforço, a importância da superação das dificuldades.
ETIQUETA
Em uma sociedade que facilmente dá grande importância à técnica, à força e ao poder, as regras de etiqueta permitem sentir que existem valores mais elevados que são importante respeitar sem ter que se forçar. Eles são a condição sine qua non para a sobrevivência de uma sociedade.
O PRINCÍPIO DO AIKIDO NA VIDA COTIDIANA
O princípio do Aikido aplicado ... ensina o sentido de unidade, de harmonia, de amor, e da paz. O Aikido expressa, através do corpo, a ordem do universo. Se a ordem do universo for devidamente aplicada ao corpo, a técnica e a saúde florescerão naturalmente. Se a ordem do universo for corretamente aplicada à vida diária, a educação, o trabalho e a personalidade florescerão naturalmente. Se a ordem do universo for corretamente aplicada à sociedade, a harmonia social e o relacionamento entre a pessoa e os outros florescerão naturalmente. A humanidade, como uma única família, trabalhará então pelo restabelecimento do mundo cuja harmonia está hoje perturbada.3
Todos estes princípios podem ser usados através do ensino da música acima de tudo com alunos que apresentam uma personalidades conturbadas, lentamente levando-os a se acalmarem, a desenvolverem a auto disciplina, a não competição e a cooperação, sendo assim mais colaborativos.
Em todo processo de ensino e aprendizagem é necessário ter organização. O método Suzuki com sua filosofia oriental de disciplina e repetição é um bom exemplo disso. Seja a prática de Aikido ou a do violino, o mestre ou professor tem que estabelecer rotinas e padrões durante a aula. O objetivo é induzir e conscientizar o aluno a criar hábitos, rotinas de prática. No Aikido todas as aulas são precedidas por uma série de exercícios de aquecimento físico. O ensino do violino, por suas características peculiares, a não ser que a aula de violino seja exclusivamente de técnicas de aquecimento físico, um aluno adolescente ou adulto deve ser considerado suficientemente consciente para já chegar com a musculatura aquecida nas aulas. Contudo, no Brasil, por evidentes defasagens no ensino de música em geral, o que pode causar muitos problemas de afinação, compreensão de ritmo e fraseado (este último elemento não é exclusivicade dos alunos brasileiros), eu aconselho os professores de violino a proporem um padrão organizacional de ensino em todas as suas aulas que contemple a prática de afinação, de ritmo e de fraseado.
Grande parte dos alunos brasileiros apresentam deficiência na capacidade leitura musical. Devem estudar muito solfejo e exercícios ritmicos como os de Paul Hindemith.4 O professor precisa estar constantemente corrigindo a afinação, ritmo e o fraseado dos alunos. É necessário alertar que estas correções têm que ser feitas com elegância, simplicidade e de modo gradativo para não desestimulá-los. O uso do metrônomo é essencial e em casos mais graves de deficiências de afinação um afinador eletrônico, piano (como aconselhava Sidney Harth em suas aulas) ou um teclado eletrônico podem ser usados como ponto de referência temporário. Um padrão eficiente que eu adoto em minhas aulas (e também para prática diária pessoal minha e dos alunos) para adolescentes e adutos é baseado nos seguintes elementos e nesta ordem: 1°) Escalas e arpejos; 2°) Estudos; 3°) Músicas. Esta rotina em geral conduz o aluno a estar praticando uma tonalidade de escala diferente por semana, uma gama de estudos com objetivos técnicos diferentes a alcançar por semana e uma variedade de repertório de acordo com a capacidade de aprendizagem e tempo disponível para estudo do aluno. Exercícios de aquecimento, como os descritos no livro de Carl Flesch, Basic Studies, de Casorti, The Tecniques of Bowing, e o estudos de escalas, também são necessarios ter sua prática diária. Em essência, este padrão é a estrutura básica da pedagogia e prática de Sidney Harth.
1 - Carl Flesch, The Art of Violin Playing, volume 2, Carl Fischer, NY, 1930, pg. 126.
2 - Sidney Harth, Music Teaching: Taste, Trial, and Truth, Perspectives in Music Education, Source Book III, Published by Music Educators National Conference, 1966, pg. 244.
3 - Tamura Nobuyoshi, AIKIDO, Etiquette et Tansmission, 1989.
4 - Paul Hindemith, Treinamento Elementar Para músicos, Ricordi, 1975.